Recensão Crítica de 3 Vídeos de Michael Wesch

It’s not just about information but it’s actually about linking people and it’s about linking people in ways that we’ve never been linked before.

Michael Wesch, An Anthropological Introduction to YouTube

aprender online @ pedagogiadoelearning.com
Enquanto função social, a educação parece perder-se entre as quatro paredes de uma sala de aula. Paralelamente, há duas gerações que os olhos e os cérebros do mundo se fixam no YouTube.

Em Web 2.0… The Machine is Us/ing Us (2007a) Michael Wesch salta da linearidade do papel para a flexibilidade, mobilidade e hipertextualidade da escrita digital. Meses mais tarde A Vision of Students Today (Wesch, 2007b) repega no conceito de escrita, mesmo no final do vídeo, ao abordar a grande e genial invenção tecnológica que foi…o quadro de giz.

A escrita cursiva ajuda o cérebro e é um meio fundamental para organizar o pensamento e desenvolver conhecimento, mas o que os vídeos de Wesch e dos seus alunos salientavam já há 12 anos era que escrita cursiva, texto linear, o legado escolar estavam mais do que ultrapassados perante a internet, e o hipertexto que tudo inclui e tudo relaciona com um clique: texto, som, imagem, vídeo e (faltou escrever isso em A Vision of Students Today) pessoas.

A Vision of Students Today (Wesch, 2007b) abre com uma citação de 1967 do visionário Marshall McLuhan, que descreve a perplexidade das crianças de meados do século XX perante um espaço educativo formatado para o século passado, organizado, compartimentado e espartilhado por procedimentos, classificações e horários que apenas diluem e não favorecem o conhecimento. Note-se que essas crianças serão as primeiras a assistir ao advento da internet e dos computadores, e farão parte da Geração X (Kasasa, 2019). Segundos após a citação de McLuhan, A Vision of Students Today, um vídeo realizado por Wesch e os seus alunos de Introdução à Antropologia Cultural, faz falar as paredes da Escola (do Ensino Superior).

Quarenta anos após a observação de McLuhan, os Millennials que vemos no vídeo que ajudaram a criar não estão felizes e nem sequer falam: vão atirando números, factos e hábitos, nos mais diversos formatos a quem os vê. Afinal foi isso que parecem ter recebido apenas durante os anos que estiveram na escola.

Ao contrário do primeiro vídeo, The Machine is Us/ing Us, A Vision of Students Today é uma co-criação de Wesch com os seus alunos, ou seja, é um artefacto colaborativo em que, os próprios alunos se pesquisam e se revelam. Um artefacto cuja mensagem coletiva resulta muito coesa mas simula o hipertexto e a construção reticular que caracteriza a internet. Pura investigação participativa, pura etnografia daquele coletivo em particular. Afinal não é esse o método antropológico por excelência de investigação e recolha de dados? 

Em plena ascensão da produção do utilizador comum produtor de conteúdos em formato vídeo, Michael Wesch repega na fórmula anterior, agora para alargar o campo de estudo: da sala de aula para o YouTube. Com An Anthropological Introduction to YouTube (Wesch, 2008), Wesch prescinde do habitual PowerPoint e resolve criar um vídeo, com os seus alunos, com excertos de vídeos do YouTube para dar uma visão antropológica deste fenómeno de popularidade então com cerca de 3 anos de existência. Toda a gente estava a descarregar os seus vídeos para esta plataforma, nomeadamente pessoas com 35 anos ou mais, tantos quantos os jovens adolescentes (Wesch, 2008). Sendo que mais de 50% dos YouTubers de então eram pessoas com 18 a 24 anos, pessoas nascidas entre 1984 e 1990. Geração Y, portanto. Millennials (Dimock, 2019). Os mesmos que se aborrecem de morte nas aulas, como ilustra A Vision of Students Today.

O que sobressai nos primeiros dois vídeos de Wesch é um profundo descontentamento dos jovens com o meio escolar, uma enorme frustração por perderem a sua identidade, o seu tempo e o seu dinheiro num espaço que não os estimula e nada lhes oferece. A Vision of Students Today demonstra como preferem dedicar o seu tempo a navegar internet e a explorar as redes sociais de então, mesmo durante as aulas. Neste vídeo, os Millennials já se definem como multitaskers e deixam no ar a interrogação sobre se a tecnologia só por si os irá salvar do tédio e do mundo ativo que os espera assim que saírem da universidade. Os dois vídeos têm também presente que quadro de giz e lápis, tecnologias fantásticas aquando da sua criação, começam a ser demasiado constrangedores para as possibilidades de aquisição e produção de conhecimentos.

The Machine is Us/ing Us dá a conhecer a máquina que seduz estes jovens e para a qual eles contribuem ao interagirem com ela: cada pesquisa, cada clique, cada input ajuda a máquina a ficar mais inteligente e a antecipar as respostas e pesquisas que se fazem: machine learning, inteligência artificial em construção. Quem a constrói? Todos nós, a todo o instante. Por isso somos usados pela máquina sempre a usamos. E até conseguimos ludibriar a máquina aplicando as suas próprias regras (veja-se como Wesch conseguiu colocar o seu post no topo das pesquisas do Google ou como alguns YouTubers conseguem mais visualizações).

Doze anos depois das produções de Wesch, sabe-se que o YouTube é uma plataforma em crescimento (Chi, 2019). Além da presença e da interação nas redes sociais, o formato vídeo, nomeadamente curto, é um dos mais recomendados para captar a atenção das pessoas online, seja comercialmente (marketing, publicidade e vendas), seja com fins pedagógicos. No caso da geração que vemos nos vídeos de Michael Wesch, 70% dos jovens aprendeu a fazer alguma coisa nova ou aprendeu alguma coisa do seu interesse no YouTube (Chi, 2019). Isso sustenta a tese de que a educação atual está na escola (ainda) mas também (muito) fora dela.

Por isso, pode-se considerar que, enquanto função social, a educação parece perder-se entre as quatro paredes de uma sala de aula. Paralelamente, há duas gerações que os olhos e os cérebros do mundo se fixam no YouTube. Há duas gerações que se produzem, comentam e partilham conteúdos nessa ou dessa plataforma. Tudo lá vai parar, de simples coreografias virais a vídeos pedagógicos como os de Michael Wesch. Assim sendo, há todo um manancial de interesse, energia e interações que são canalizados para uma plataforma virtual e que escapam ao ensino formal presencial. É curioso verificar também que o YouTube parece não discriminar género em termos de utilizadores e que muitos dos seus utilizadores possuam um curso superior (Chi, 2019).

Aquando da sua criação, uma das mais valias do YouTube foi permitir a partilha e hipertextualização do vídeo aos utilizadores-produtores de conteúdo nos blogues que cresciam com a Web 2.0. Assim se confirmam as palavras de Pierre Lévy: “Any public text accessible through the Internet is now a virtual component in an immense and ever-expanding hypertext.” (1998). Graças ao HTML e à sua evolução para XML (Cornell, 2010; DZone, 2018), o YouTube torna-se uma linha de código exponencialmente partilhável, replicável e duradoura. De resto, a mais-valia desta linguagem de marcação foi precisamente facilitar e potenciar a partilha de dados online. Como os criadores do YouTube parecem ter antecipado (Burgess & Green, 2018), a participação na rede e a divulgação dos vídeos continua a gerar interesse, aumentou o trafego para o que é agora uma das maiores plataformas de utilizadores e gera muito retorno.

Como refere Boyd (2014): “Social network sites changed the essence of online communities.” E o que fazem os adolescentes no YouTube hoje afinal? Estão identificadas cinco áreas de atividade: radiofónica, televisual, social, produtiva e educativa, a maior parte delas entrelaçadas nas suas rotinas dos mais jovens (Pires et al., 2019). Há, portanto, uma dimensão de aprendizagem autónoma e “fora da caixa” / fora da escola que já entusiasmava Wesch em 2007 e 2008 e que o levava a instar-nos a “repensar algumas coisas” (2007a, 2008): direitos de autor, autoria, identidade, ética, estética, retórica, governança, privacidade, comércio, amor, família e nós próprios. An Anthropological Introduction to YouTube aborda muitos destes valores já enunciados em The Machine is Us/ing Us.

Como se lê/vê em The Machine is Us/ing Us e em An Anthropological Introduction to YouTube, apesar dos dissabores, das fraudes, dos enganos, dos enredos, a Web continua a ligar as pessoas… as pessoas estão a partilhar coisas e a colaborar. Como nos diz Amaral (2016):

A Web social (e as suas ferramen­tas) tem permitido o aumento das comunidades de prosumers organizados que desafiam os tradicionais papéis tradicionais de consumidores e pro­dutores. Mas o denominado jornalismo cidadão está também a mudar: as pessoas estão a utilizar os media sociais para comunicarem e produzirem conteúdo de forma colaborativa.

Como vimos, os jovens integram o YouTube em todas as dimensões da sua vida social, do uso dos media à forma como adquirem conhecimentos e competências (Pires et al., 2019). E também é verdade que a própria prática letiva de alguns docentes já incorpora o YouTube em sala de aula. Mas só isso não chega. Como diria Wesch, em educação é urgente “repensar algumas coisas”. Nomeadamente estas:

Digital media literacy is one of the fundamental requirements of a more inclusive and diverse participatory culture. YouTube has always been the locus of both hope and concern about digital literacy, especially for young people. It is simultaneously a ‘digital technology’ (requiring new technical skills and knowledge); a new kind of ‘media’ platform, publishing a huge range of quasi-factual ‘documentary’ videos on the platform alongside (requiring ‘critical media literacy’); and a platform where creative and ‘maker’ communities can form and interact (offering the potential for collective learning). (Burgess & Green, 2018)

Seria bom ponderar o desenvolvimento de competências para o futuro à luz destas noções. Há doze anos, Michael Wesch e os seus alunos já o faziam.

Referências

Amaral, I. (2016). Redes Sociais na Internet: Sociabilidades Emergentes. LabCom.IFP.

Boyd, D. (2014). It’s Complicated: The Social Lives of Networked Teens. Yale University Press.

Burgess, J., & Green, J. (2018). Youtube : Online Video and Participatory Culture (2nd ed.). Polity Press.

Chi, C. (2019, April 16). 2019 YouTube Demographics [New Data]. Hubspot.Com. https://blog.hubspot.com/marketing/youtube-demographics

Contribuidores dos projetos da Wikimedia. (2004, September 21). Marshall McLuhan. Wikipedia.Org; Fundação Wikimedia, Inc. https://pt.wikipedia.org/wiki/Marshall_McLuhan

Cornell, K. (2010, May 4). A Brief History of Markup. A List Apart. https://alistapart.com/article/a-brief-history-of-markup/

Dimock, M. (2019, January 17). Defining Generations: Where Millennials End and Generation Z Begins. Pew Research Center; Pew Research Center. https://www.pewresearch.org/fact-tank/2019/01/17/where-millennials-end-and-generation-z-begins/

DZone. (2018, March 15). 25 Years of Markup: The Evolution of HTML by Alin Pogan. Dzone.Com; DZone Web Dev. https://dzone.com/articles/25-years-of-markup-the-evolution-of-html

Kasasa. (2019, July 29). Boomers, Gen X, Gen Y, and Gen Z Explained. Kasasa.Com. https://www.kasasa.com/articles/generations/gen-x-gen-y-gen-z

Lévy, P. (1998). Becoming Virtual: Reality in the Digital Age. Www.Researchgate.Net. https://www.researchgate.net/publication/30872223_Becoming_Virtual_Reality_in_the_Digital_Age

Pires, F., Masanet, M.-J., & Scolari, C. A. (2019). What are Teens Doing with YouTube? Practices, Uses and Metaphors of the Most Popular Audio-visual Platform. Information, Communication & Society, 1–17. https://doi.org/10.1080/1369118x.2019.1672766

Wesch, M. (2007a). Web 2.0 … The Machine is Us/ing Us [YouTube Video]. In YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=6gmP4nk0EOE&feature=channel

Wesch, M. (2007b). A Vision of Students Today [YouTube Video]. In YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=dGCJ46vyR9o&feature=channel

Wesch, M. (2008). An Anthropological Introduction to YouTube [YouTube Video]. In YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=TPAO-lZ4_hU&feature=channel_page

Deixe um comentário