A Virtualização das Relações Sociais

… ‘wicked’ problems: problems where there is no way of formulating the issue at stake definitively, nor any such thing as a single or definitive solution.

Tom Chatfield. How to Thrive in the Digital Age (The School of Life)

a virtualização do eu @ pedagogiadoelearning.com
… as redes sociais têm vindo a crescer como espaços de encontro e socialização, e essa tendência irá manter-se.

A virtualização tem o condão de colocar na rede tudo e mais alguma coisa. Ao nos transpormos e expormos na Internet, colocamo-nos debaixo de uma lupa cuja magnitude desconhecemos. Tal como desconhecemos a verdadeira dimensão, grau de aceitação, raciocínios e intenções de quem nos perscruta do outro lado do ecrã.

Focando-nos nas redes sociais, a nossa atividade virtual marca a nossa posição na rede, seja por presença ostensiva ou por seletiva manutenção de qualquer contacto no mundo virtual. Acabamos por nos tornar em produtores de conteúdos, que transformam, espelham e reinterpretam esses mesmos conteúdos. Há todo um jogo de espelhos que se processa e que, passadas duas décadas de sofisticação da Internet e de ascensão das redes sociais, tende a tornar as nossas interações online cada vez mais complexas.

Sem dúvida que gerações diferentes foram e são tocadas pela tecnologia com maior ou menor grau de proximidade e profundidade. Portanto, o grau de imersão no online e a virtualização de cada pessoa será diferente em função da sua idade (bem como do seu contexto nacional, social e económico). Mas, tendo acesso à Internet e a dispositivos, há cada vez mais gerações em linha e em movimento: cada vez mais pessoas usam a Internet e as redes sociais a partir de dispositivos móveis.

Década após década, temos incrementado e expandido a tecnologia em todos os setores de atividade humana (saúde, economia, comunicação, educação, bem-estar, política, investigação científica, turismo, agricultura, etc.). Tudo vai incorporando algo de virtual, tudo passa a ter um ou mais canais de comunicação virtual. Se é verdade que desenvolvemos e moldámos a ciência e as tecnologias para permitir que tudo possa ser mais comunicável, partilhável, consultável e anular constrangimentos de espaço e tempo, não será menos verdade que estamos a tornar-nos cada vez mais tecnodependentes. Cada vez mais corporeamente ausentes, cada vez mais virtuais. Nós que criámos e moldámos a tecnologia começamos a dar-nos conta de que a tecnologia está a moldar-nos e, muitas vezes, a (re)criar(-nos) personas que mostramos em contexto virtual e com as quais construímos relações de trabalho, de afeto, de maior ou menor (des)apego.

O cérebro humano é muito influenciado pelo ambiente e pelas interações que observa desde cedo e que vai estabelecendo nesse ambiente. Quanto mais “natural” e frequente for aceder à Internet e utilizar aplicações e redes sociais, maior a propensão para ser “natural” e frequente virtualizarmos as nossas interações sociais, via texto, imagem, voz ou vídeo.

As camadas mais jovens da população que têm acesso a dispositivos móveis, computadores e Internet, ilustram esta tendência. Estão cada vez mais presentes nas redes sociais e utilizam a Internet para todo o tipo de atividades, nomeadamente as sociais. Não necessariamente como escapismo, mas como forma de extensão do seu “mundo” e do contacto com os seus pares ou até mesmo com o seu público. Porque toda a publicação no Instagram, no Snapchat ou no YouTube acaba por ter um público, mais restrito ou mais alargado. E o que pode começar com uma experimentação e uma brincadeira, pode tornar-se viral, global, ganhar uma escala inicialmente imprevista.

Foi o caso dos 2 Chinese Boys que motivaram este nosso post.

Analisemos então o fenómeno de popularidade desta dupla chinesa para melhor compreendermos o jogo de espelhos que nos permite a virtualização do eu.

Millennium, millennials e o surgimento do YouTube

As gerações X, Y e Z (Kasasa, 2019; Bright Side, 2018) tiveram e (ainda) têm a sua quota parte de boy bands (Wikipedia Contributors, 2019c). Os anos 90 foram particularmente ricos neste tipo de grupos e Lou Pearlman haveria de lançar um dos mais rentáveis até hoje: os Backstreet Boys.

No final dos anos 90, a banda lançou o single “I want it that way” para promover o álbum que os tornaria uma boy band mediática à escala global: Millennium (Wikipedia Contributors, 2019a).

Cinco anos mais tarde, fãs da banda, do outro lado do globo, num contexto cultural totalmente diverso, 2 miúdos chineses decidem parodiar essa música e tornam-se virais. Antes mesmo do lançamento oficial da SuaTV, transcreação livre e nossa da plataforma YouTube, um universo virtual onde iremos encontrar de tudo, de X a Z, todas as gerações, todos os interesses, todo o tipo de interações.

YouTube’s website was officially launched with little public fanfare in June 2005. Its original purpose was, on the surface, a technological rather than a cultural one: YouTube was one of a number of services aiming to remove the technical barriers faced by non-expert users who wanted to share video on the web. (Burgess & Green, 2018)

Muito mais do que só 2 Chinese Boys

Comecemos pelo óbvio.

Se analisarmos o vídeo que suscitou este post, os Chinese Boys são três, não dois. Há um que está sempre de costas para nós. Sabe-se que este colega de Huang Yi Xin ( o “pequeno”) e Wei Wei (o “grande”), se dedicava a jogar Counter-Strike (Wikipedia Contributors, 2019b) enquanto os seus colegas se divertiam a gravar este vídeo que haveria de se tornar viral. Os jovens eram alunos do Guangzhou College of Fine Arts (The Economist, 2006)

Esta gravação dos 2 Chinese Boys seria a segunda ser publicada num site que na altura não era ainda a plataforma que é hoje, nem tinha o nome que hoje tem (Burgess & Green, 2018).

A forma como os três jovens interagem com a tecnologia é muito reveladora em termos das atividades que suscitavam o interesse dos adolescentes, na Ásia como noutras paragens: os três optam por duas atividades diferentes, uma solitária, outra partilhada, a primeira focando a atenção no computador, a segunda chamando a atenção de quem quisesse ver na Internet.

Em janeiro de 2005, antecipavam assim o objetivo do YouTube, que só seria oficialmente lançado meses mais tarde: permitir a partilha de vídeo a qualquer pessoa.

No vídeo, “Grande” e “Pequeno” expõem-se, brincam, replicam um grupo masculino que tinha tido imenso sucesso com esta música na viragem do milénio. A iniciativa de publicar vídeos num site onde havia “montes de coisas do género” transformaria millennials anónimos em ícones que qualquer elemento da Geração Y apreciaria ou reconheceria.

Enquanto Xiao Jing, o número três dos 2 Chinese Boys, se manteve imerso no seu jogo, ignorando música, lipsync e atuação quarto para a webcam, o resto da China apreciou o espetáculo disponível num url perto de si. Tanto que, um ano mais tarde, se podia ler em The Economist:

… they became famous almost instantly.

Astonishingly famous. Almost every Chinese internet user under a certain age has seen the “Back Dormitory Boys”, as they are now called. Web forums discuss their private lives. National radio and television shows have hosted them. Even their roommate, just visible in the background playing computer games, gets celebrity treatment.

E foi assim que, de pano de fundo, o número três, passou a ser considerado parte dos Back Dorm Boys e a celebridade global.

E hoje? Que é feito dos 2 (ou 3) Chinese Boys? Não sabemos.

Nem os fãs, que lhes sentem a falta:

Would really like to know what these guys are doing today. They provided us with so much laughter and lightened up some pretty lonely nights. Hope they are doing well, probably out in the real world, working, maybe even with families. There were many imitators after their great take-off, but no one comes close to these two. Wishing them well. (2 Chinese Boys, 2005)

Como um deles disse: “they will live forever in YouYube” (2 Chinese Boys, 2005). Cristalizaram-se no virtual. Não irão envelhecer, não irão perder o brilho, nem deixarão de divertir quem gosta(va) de os ver. É uma das affordances das redes sociais e dos públicos construídos em rede (Boyd, 2014), a durabilidade.

O primeiro comentário que citámos denota o apego e a relação criada com duas entidades virtuais que podem ou não saber desta pequena prece em seu favor por alguém que também não sabemos quem é.

Uma coisa é certa: as redes sociais têm vindo a crescer como espaços de encontro e socialização, e essa tendência irá manter-se.

Social media sites have emerged as a go-to platform for connecting with others, finding news and engaging politically. When the Center first asked U.S. adults if they ever use a social media site in 2005, just 5% said they did. Today, the share is 72%, according to a survey in early 2019. (Auxier et al., 2019)

E como as mais recentes gerações já estão em plena virtualização de hábitos, a tendência supra não se verificará apenas nos adolescentes:

teens are not the only group who struggle with balancing their use of digital technology with other aspects of their lives. Some 36% of parents of teens say they themselves spend too much time on their cellphone, while a similar share (39%) say they at least sometimes lose focus at work because they’re checking their cellphone. (Auxier et al., 2019)

E em Portugal, quais as práticas online? Focando-nos nos adolescentes, um estudo recente sobre Práticas e Consumos dos Jovens Portugueses em Ambientes Digitais (Amaral et al., 2017) revelou que:

a sociabilidade em rede está muito presente atendendo a que a atividade mais frequente é a participação em redes sociais e a terceira é jogar online. Práticas como publicação/partilha de conteúdos na Internet, publicação/partilha na Internet, publicação/partilha de informação no meu perfil de conteúdos com hashtags revelam uma lógica de produção e/ou coprodução. Os padrões alteram-se, conforme os dados expostos e os fatores identificados na análise fatorial, sendo evidente nas práticas e consumos diários e semanais.

O estudo realizado permite constatar que são os consumos de acesso e criação de conteúdos e as práticas sociais em rede que têm maior prevalência.

Como explicam os investigadores, os consumos e usos da rede dependem em muito do que os jovens sabem ou não fazer online. Isso pode explicar o não destaque que se dá à plataforma YouTube neste estudo. Contudo, redes sociais há muitas e formas de videografar também, e estão presentes em muitas delas, concretamente Snapchat ou Instagram, algumas das que os nossos alunos dizem usar mais (sondagem informal nossa em 2 anos letivos consecutivos a um total de 8 a 10 turmas do ensino secundário).

Identidade(s), idoneidade e confiança – transparência ou opacidade?

The Net’s interactivity gives us powerful new tools for finding information, expressing ourselves, and conversing with others. It also turns us into lab rats constantly pressing levers to get tiny pellets of social or intellectual nourishment.

Nicholas Carr, The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains

Quem somos nós afinal na rede? Somos autênticos? Somos nós próprios? Podemos sê-lo? Quem o define? Quem o regula? De que forma?

As tecnologias digitais fazem parte do quotidiano das sociedades info-incluídas e promovem a inteligência colectiva (Lévy, 2001; 2004; Jenkins, 2006a). Os comportamentos estão a ser alterados a partir da utilização e apropriação da tecnologia. No entanto, é imperativo referir que uso da tecnologia e da Internet pelas gerações mais novas se opera numa lógica global sem fronteiras entre o público e o privado (Shirky, 2008).

Na era dos “nativos digitais” (Prensky, 2001) é premente a ideia de que o consumo digital é ativo, por oposição ao consumo passivo dos media tradicionais (Selwyn, 2009).

Inês Amaral et al., Práticas e Consumos dos Jovens Portugueses em Ambientes Digitais

As vantagens da virtualização dos relacionamentos em rede – durabilidade, visibilidade, facilidade de partilha e divulgação, e facilidade de pesquisa (Boyd, 2014, p. 11) – podem constituir também os seus riscos. Tudo depende de cada um de nós em rede. Na Internet e nas redes sociais, mais do que a identidade de cada um, o fulcral, as moedas de troca são a idoneidade / (con)fiabilidade do ambiente ou plataforma virtual, por um lado, e a confiança de quem opta por se movimentar nesse ambiente e passar a integrar essa plataforma virtual, por outro.

Em termos do utilizador por si só, da pessoa em si, a questão é manter um equilíbrio saudável entre o que pode ou deve revelar e o que deve proteger.

Saberão os jovens, saberemos nós, onde fica a linha ténue que separa a esfera pública da privada? Que dados facultar e que dados proteger? Esta é uma questão de informação e conhecimento que escapa a muitos. Por outro lado, terão todas as entidades do universo virtual a mesma conduta ética? O perfil virtual de cada um em cada espaço virtual pode ser cheio de nuances, bastante omisso ou apresentar variáveis. Além de que, se é indiscutível que para cada user corresponde um perfil virtual, também é verdade que cada utilizador pode construir ou apresentar-se por trás de vários perfis, desmultiplicando-se.  

… the capacity of individuals to document what is taking place around them and what they believe; the ease with which such documents can be shared and broadcast; and the related ease of rapidly organizing massed forms of action that can themselves be documented and communicated.

Tom Chatfield. How to Thrive in the Digital Age (The School of Life)

A privacidade, a cautela, o resguardo que são tão fáceis de manter no plano não virtual, são bem mais difíceis online. “In networked publics, interactions are often public by default, private through effort.” (Boyd, 2014, p. 12)

Agora que já refletimos um pouco sobre identidade(s) e perfis virtuais, concentremo-nos noutro fator importante.

Do ponto de vista da interação, mesmo que haja utilizadores éticos, que resguardem a sua privacidade e respeitem as dos outros, há outro elemento fundamental. A confiança. É a confiança que se pede, que se dá e que se cultiva ou se trai que vai fortalecer ou enfraquecer as relações virtuais, sejam elas formais, informais, de amizade, comerciais, profissionais, de prestação de serviços, divulgação de conteúdos ou institucionais. Este cimento das relações, virtuais ou não, passa por várias fases (construção, estabilização e dissolução) e depende muito da identidade da entidade com que nos relacionamos. (Aljazzaf et al., 2010)

Atrevemo-nos a dizer que, no plano virtual, a confiança é inversamente proporcional ao risco, sendo que este nem sempre é fácil de calcular antecipadamente. Por falta de tempo, por ignorância ou por leviandade, nem sempre apreendemos ou procuramos ter todos os elementos para medir esse risco. Nas redes sociais, a confiança pode ser um salto no escuro. E a quebra de confiança pode ser facilmente divulgada, amplificada e dificilmente eliminada.

Exemplo singelo, mas comum em meio escolar: aquela partida que em 1970 ou 1980 se fazia no recreio da escola e ficava ali por uns tempos a ser recordada até cair no esquecimento, hoje pode ser filmada e publicada numa qualquer rede social, partilhada, replicada, amplificada exponencialmente. Pode, por isso, ser o incidente que o visado jamais esquecerá, porque, virtualmente, jamais deixará de existir. Já para não falar de casos mais sérios, antecipadamente preparados com o fim explícito de serem colocados a circular.

Mas quando as interações são bem sucedidas, a confiança consolida-se. Assim, online, nas redes sociais, como na vida não virtual, a confiança depende da identidade, baseia-se na informação, constrói-se ou não em função do risco, aprofunda-se com o tempo e com a reciprocidade, inicia-se e existe em graus diversos em função de informação dos próprios, opinião de outros e validação/avaliação de terceiros. (Aljazzaf et al., 2010)

Esta estruturação da relação virtual está na base de muitas plataformas de consumo (da Amazon ou da BnB, por exemplo) e é o segredo do sucesso de muitas plataformas sociais, como o YouTube, cuja mais-valia continua a ser a produção de conteúdos pelos próprios e para os seus (pequenos) públicos ou grupo de seguidores. Associando interesses comuns, diversão, aprendizagem e sentimento de pertença temos ainda fenómenos mais distanciados dos do 2 Chinese Boys, no dealbar do YouTube, como os influencers e tudo o que isso acarreta em termos de marketing. São novas interações e virtualizações que se constroem à medida que vamos sofisticando a tecnologia e que ela nos vai moldando enquanto vamos socializando e consumindo, procurando e publicando.

Daí que Nicholas Carr afirme:

The seductions of technology are hard to resist, and in our age of instant information, the benefits of speed and efficiency can seem unalloyed, their desirability beyond debate. But I continue to hold out hope that we won’t go gently into the future our computer engineers and software programmers are scripting for us. (The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains, 2010)

Em busca de melhores motores de busca

Imaginando que todos éramos transparentes e (con)fiáveis online, tudo seria de confiança? Não necessariamente.

Como salienta Carr, a tecnologia é produto humano e portanto eivada de imperfeições e idiossincrasias (2010). Por outro lado, a tecnologia serve determinados interesses também. Ao inserirmos os nossos dados nas redes sociais, elas devolvem-nos determinados resultados. E quanto mais dados inserirmos, quanto mais interagirmos, mais dados fornecemos para alimentar os algoritmos que (nos) leem e (nos) processam (os nossos) big data.

É o caso de tecnologias que pretendem literalmente ler as emoções dos utilizadores das redes sociais para melhor manipularem e conduzirem as suas interações em contexto (Davey et al., 2012).

A lógica do algoritmo que devolve resultados em função das nossas preferências, histórico de pesquisas e de navegação aplica-se ao motor de busca que, de agregador e mapeador de sites, passou a gigante da Internet e a verbo. O Google faz uso sistemático dos dados que inserimos para se adequar a cada utilizador, cada contexto, cada local, cada país. Os sites, por seu turno, otimizam-se para poderem aparecer nos lugares cimeiros dos resultados de busca, entregando a estruturação, redação a apresentação dos seus conteúdos a peritos de SEO e social media management.

Nada há de casual nos resultados que nos surgem no Google. Os resultados de pesquisa que nos devolve podem não ser os mais rigorosos, mas serão os mais otimizados para a expressão procurada. São os mais populares. A automatização da máquina Google está tão perfeita que vai acrescentando possíveis expressões de pesquisa à medida que vamos digitando.  (O mesmo acontece quando pesquisamos algo na Amazon, por exemplo. O que faz com que haja otimização de títulos, capas, ghost writing específico e estruturação de ebooks para as keywords da Amazon. E por aí vamos…)

Acresce que há plataformas sociais que têm vindo a ser adquiridas pela Google, como o YouTube. Acresce ainda que as redes sociais são também alvo de otimização específica (SMO) e contribuem para a validação ou popularidade desta ou daquela página, deste ou daquele site. Ou seja, influenciam e inflacionam a “autoridade” de um conteúdo em detrimento de outro.

Por estes motivos, e porque cada vez mais há mais pessoas a produzir, a reproduzir, a inventar e a deturpar conteúdos, também há cada vez mais dificuldades em identificar e credibilizar fontes. Assim, parte-se agora em busca de um motor de busca mais fiável, que permita uma melhor verificação e validação da informação veiculada.

O CCEO – Cross-Credibility Engine Optimization (Dimoulas & Veglis, n.d.) é um modelo de credibilidade distribuída e tem vários aspetos interessantes. Um deles é confiar no algoritmo, isto é, considera válidas as técnicas de SEO.

No entanto, os autores do modelo CCEO alertam para eventuais más práticas por entidades menos sérias. Sim, diria Virilio. Ao inventar o carro, inventamos o acidente. Por outro lado, os proponentes do modelo elencam ainda duas questões práticas e éticas que dividem a comunidade científica: a possibilidade de uma diminuição da liberdade de expressão e o risco de uma censura compulsiva em prol da validação das boas fontes.

Bem intencionado, o CCEO ainda não surgiu e já reconhece vários constrangimentos. O que mais nos chamou a atenção foi, contudo, um detalhe: seriam as próprias fontes a propor-se como fidedignas. Ou seja, a obtenção desta chancela de idoneidade, uma espécie de certificado ISO de confiança, dependeria da vontade explícita e intrínseca dos sites, das entidades que se quisessem legitimar, da sua motivação para serem reconhecidas como sendo de confiança.

Assim, para combater a desinformação, o modelo CCEO propõe-se levar agências noticiosas, jornalistas e outros meios de comunicação a resistir ao impulso de publicar primeiro e confirmar depois, e valorizar a credibilidade em detrimento da popularidade. Conseguirá?

O virtual que nos fascina domina?

We are seeing a mass migration of human effort, attention, relationships and identities towards artificial environments designed expressly to entertain and enthral us.

Tom Chatfield, How to Thrive in the Digital Age

As redes sociais são plataformas de grande participação e construção do mais variado tipo de relações. São espaços, inclusive, de afirmação e socialização dos mais jovens. O problema é que nas redes sociais os jovens criativos, curiosos e proativos estão algo desestruturados, algo desacompanhados. Podem estar obstinadamente imersos no seu próprio counter-strike, nas suas próprias conquistas e descobertas, de costas voltadas para nós, como o terceiro Chinese Boy, que foi, sem nunca (ter planeado) ser, uma celebridade.

Tendo em conta o que registámos, será fácil perceber como pode ser enganoso (pantanoso?) um like ou um amigo facebookiano, um follow ou uma chama. Porém, como escapar à descarga de dopamina de uma notificação que toca ou surge no nosso telemóvel? A dopamina que nos ajuda a concentrar, que nos mantém focados e nos motiva (Jensen & Nutt, 2015) é a mesma que nos vicia na “recompensa” do like, da resposta, da mensagem. É por isso também que não só virtualizamos as nossas relações como também não largamos os telemóveis (Pew Research Center, 2015). Quando um dia os largarmos será, talvez, porque já não precisamos deles. Teremos the next best thing: os wearables do futuro.

A verdade é que estamos lá, estamos aqui, online. E já não vamos sair. Fazemos parte da rede. Porque estamos ou porque preferimos não estar. Fazemos parte da máquina. Já nos virtualizámos e já não podemos voltar a atrás. Há pedacinhos de nós online, há vidas inteiras online. Segundas vidas no Second Life, terceiras vidas em tudo o que é rede social. Vidas paralelas nos aplicativos de texto, para a esquerda e para a direita. Aventurámo-nos e atrevemo-nos a pisar o ciberespaço. Estamos soltos por aí. Convém, por isso, que nos saibamos orientar. Com que bússola?

Conhecimento, esclarecimento, atividade física, conversa com amigos no café, na esplanada, na praia. Tempo sem mergulhar na máquina. Tempo para desvirtualizar, como o mergulhador que descomprime e recupera do mergulho profundo.

Encantados, sim. Utilizadores, também. Incautos e desconhecedores, não. Precisamos de mais, de melhor preparação sobre as origens, as consequências, os riscos, as vantagens, as inovações… as opções. Numa palavra: reflexão. Educação.

Referências:

2 Chinese Boys. (2005). I Want It That Way [HD] [YouTube Video]. In YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=fD7BuKD2n_Q

Aljazzaf, Z. M., Perry, M., & Capretz, M. A. M. (2010). Online Trust: Definition and Principles. 2010 Fifth International Multi-Conference on Computing in the Global Information Technology. https://doi.org/10.1109/iccgi.2010.17

Amaral, I., Reis, B., Lopes, P., & Quintas, C. (2017). Práticas e Consumos dos Jovens Portugueses em Ambientes Digitais. Estudos Em Comunicação24, 107–131. https://doi.org/10.20287/ec.n24.a06

Auxier, B., Anderson, M., & Madhu Kumar. (2019, December 20). 10 tech-related trends that shaped the decade. Pew Research Center; Pew Research Center. https://www.pewresearch.org/fact-tank/2019/12/20/10-tech-related-trends-that-shaped-the-decade/

Boyd, D. (2014). It’s Complicated: The Social Lives of Networked Teens. Yale University Press.

Bright Side. (2018). Generations X, Y, and Z: Which One Are You? In YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=TtIojDWOsgg

Burgess, J., & Green, J. (2018). Youtube : Online Video and Participatory Culture (2nd ed.). Polity Press.

Carr, N. (2010). The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains. W. W. Norton & Company.

Chatfield, T. (2012). How to Thrive in the Digital Age (The School of Life). McMillan.

Contribuidores dos projetos da Wikimedia. (2008, April 2). I Want It That Way. Wikipedia.Org; Fundação Wikimedia, Inc. https://pt.wikipedia.org/wiki/I_Want_It_That_Way

Davey, N. S., Davey, S., & Biswas, A. (2012). US ,819,711B2.

Dimock, M. (2019, January 17). Defining Generations: Where Millennials End and Generation Z Begins. Pew Research Center; Pew Research Center. https://www.pewresearch.org/fact-tank/2019/01/17/where-millennials-end-and-generation-z-begins/

Dimoulas, C., & Veglis, A. (n.d.). Factors and Models Contributing to the Optimization of Search Engine Results Credibility and Application on News Content – The Cross-Credibility Engine Optimization (CCEO) Model. https://doi.org/10.1145/1234567890

Jensen, F. E., & Nutt, A. E. (2015). The Teenage Brain: A Neuroscientist’s Survival Guide to Raising Adolescents and Young Adults. Harper Thorsons.

Kasasa. (2019, July 29). Boomers, Gen X, Gen Y, and Gen Z Explained. Kasasa.Com. https://www.kasasa.com/articles/generations/gen-x-gen-y-gen-z

Pew Research Center. (2015, August 26). Manners 2.0: Key Findings about Etiquette in the Digital Age. Pew Research Center; Pew Research Center. https://www.pewresearch.org/fact-tank/2015/08/26/key-findings-about-etiquette-in-the-digital-age/

The Economist. (2006, April 6). Out of the Dorm. The Economist; The Economist. https://www.economist.com/asia/2006/04/06/out-of-the-dorm

Wikipedia Contributors. (2019a, September 4). Backstreet Boys. Wikipedia; Wikimedia Foundation. https://en.wikipedia.org/wiki/Backstreet_Boys

Wikipedia Contributors. (2019b, September 20). Back Dorm Boys. Wikipedia; Wikimedia Foundation. https://en.wikipedia.org/wiki/Back_Dorm_Boys

Wikipedia Contributors. (2019c, December 9). Boy Band. Wikipedia; Wikimedia Foundation. https://en.wikipedia.org/wiki/Boy_band

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